Folha de S.Paulo – Depressão Sazonal de Verão

  • velhasenhora

Veja abaixo matéria do jornalista Luiz Caversan da Folha de São Paulo que faz um relato pessoal sobre a Depressão, a visita da “Velha Senhora” e como o Dr. Jair Mari auxiliou neste processo.

Depressão, a visita da ‘velha senhora’

Um amigo querido é quem chama a depressão de “velha senhora”. Praticamente uma bruxa, feia, malcheirosa, cabelos amarfanhados, maltrapilha, unhas sujas e exageradamente grandes, dentes ruins, hálito horroroso.
— E de repente sentiu na nuca o hálito fétido e gélido da velha senhora…
Escrevi esta frase tempos atrás, inspirado naquele amigo; faria parte, a frase, de um livro que nunca foi finalizado; há partes, trechos, excertos e uma preguiça (ou recusa…) imensa de ir em frente.
A ideia do livro surgiu quando estava no auge da depressão, e me convenci de que uma das táticas imprescindíveis para enfrentar esta doença é falando sobre ela -o que tenho feito, na verdade, inclusive aqui neste espaço com frequência.
Mas, naquele momento de dor e angústia, escrever sobre “aquilo” seria como limpar a cela em que estava sendo torturado -este pensamento só surgiu também tempos depois, porque quando você está deprimido de verdade, dificilmente formula frases supostamente criativas como esta…
O fato é que à medida que fui me afastando dos eventos mais intensos da depressão -numa parábola que começou lá para 1998/99 e vem até hoje, com o “melhores momentos” acontecendo entre 2002 e 2006-, mais fui desanimando da ideia de um-livro-na-primeira-pessoa-sobre-depressão.
No entanto, acredito que compartilhar experiências, acompanhar os novos tratamentos, estimular o autoconhecimento sejam práticas que ajudam a quem possa estar enfrentando o problema e a mim mesmo, uma vez que as visitas da “velha senhora” prosseguem, embora esparsas. Mas prosseguem, e imagino que terei de conviver com elas para sempre…
Fui diagnosticado como deprimido, com características de transtorno bipolar, pelo dr. Jair Mari, excelente médico, professor da Unifesp e grande cara, quando o procurei, em 1998, porque estava bebendo demais. Morava no Rio, tinha um ótimo emprego, uma boa vida, casamento ok, amigos bacanas, aquela cidade encantadora, mas… Mas, de uma hora para outra, em vez de me encantar e continuar a me envolver com a alegria dos sambas e tais, comecei a ficar mais para “tristeza não tem fim/felicidade sim…”, e nem sabia por quê.
Ficava triste a maior parte do tempo, angústia tremenda, pensamentos repetitivos, ansiedades, medos inexplicáveis, incapacidade de concentração, inapetência sexual, irritabilidade extrema, sono, muito sono intercalado com noites em branco; e a bebida estava ali como a falsa amiga que te aconselha certo na hora errada. Ou errado na hora certa, sabe-se lá…
Depois de algumas sessões com o dr. Jair, o veredicto: você não é alcoólatra, você está deprimido e precisa se tratar.
Grande merda, pensei, pelo menos encher a cara é algo que as pessoas conhecem e às vezes entendem e no geral toleram, principalmente no meio em que vivia. Mas, depressão? Ninguém sabia (será que hoje sabe?) direito o que é, como explicar isso pras pessoas na virada do milênio, quando, sim, ela já se definia como a doença da modernidade, mas permanecia envolta em desconhecimentos, ignorâncias e preconceitos, e “remédio de tarja preta” era (será que não é mais?) sinônimo de fraqueza e/ou fracasso social?
Por conta desse desentendimento, do medo e da culpa, os primeiros tempos foram de retração, sofria escondido, tentava fazer de conta que as coisas estavam bem e procurava levar a vida.
Mas as coisas não estavam, a vida não ia, e assim foi-se um casamento de 13 anos, um trabalho de 21 anos, entre outras perdas e danos. Abrindo-se, no entanto, uma avenida de possibilidades de reconstrução, mesmo porque estava tudo destruído à minha volta.
Seguiram-se anos de busca, tratamentos insistência, vitórias, derrotas, muita informação nova foi surgindo (sobretudo e principalmente por meio do livro “O Demônio do Meio e Dia – Uma Anatomia da Depressão”, de Andrew Solomon, uma obra fantástica, esclarecedora), e pude perceber que o universo de pessoas com as quais eu me identificava -e que se identificavam com meus relatos- era infinitamente maior do que se supunha, do que eu imaginava e do que a própria sociedade admitia -afinal, somos uma sociedade em é preciso vencer sempre, certo?
Ser deprimido no país da alegria é fogo…
A experiência na pele dos últimos dez anos (e contando…) mostrou três realidades muito significativas: foi possível perceber que, se não consegue curar inteiramente seu transtorno, você pode mantê-lo sob controle e conviver razoavelmente bem com seus sintomas; que aumentou significativamente o número de substâncias às quais se pode recorrer para os tratamentos (desde a fluoxetina até a venlafaxina, passando por paroxetina, citalopran, certralina, bupropiona e outras), assim como constatou-se que o suporte psicológico com terapia da palavra é não apenas satisfatória, mas fundamental na estratégia do enfrentamento dos dias mais “nublados” e tenebrosos. E que já se pode falar mais abertamente da depressão sem que a pessoa à sua frente desvie o olhar ou olhe para você como se estivesse a caminho do cadafalso, com pena e comiseração, senão com desprezo.
Sim, a “velha senhora” ronda, vai e volta e ok que ela teime em fazer suas visitas periódicas. O importante é aprender a detectar os sinais da sua aproximação, perceber quando ela se prepara para atacar, imiscuindo-se, e fortalecer as portas e janela da “casa”.
Afinal, esta é a única casa que temos para habitar…

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